domingo, 3 de fevereiro de 2008
A força do instinto materno
O que você seria capaz de fazer por um filho?
Se tiver que se jogar na frente de um carro, você se joga”, diz Angélica de Moraes, operadora de telemarketing.
“Vendo aquela mãe saltar dentro do poço para salvar o filho dela, eu me coloquei lugar dela e faria exatamente a mesma coisa”, garante a publicitária Liliam Torres.
“Eu não podia deixar, ver ele morrendo e eu não poder fazer nada”, diz Maria Jerônima Campos.
Dona Jerônima e os três filhos moram num bairro pobre de Franca, interior de São Paulo. A cidade estava sem água e por isso muita gente recorria a uma espécie de poço numa obra abandonada - um lugar perigoso, cercado por vergalhões enferrujados.
“Eu estava pegando água pra dar banho e pra lavar uma louça”, conta Maria Jerônima.
Naquele momento, o fotógrafo Tiago Brandão chegava para fazer uma reportagem.
“Foi quando o garoto caiu no poço”, lembra ele.
Desesperada, Jerônima se jogou no poço, mesmo sem saber nadar.
“Segurei numa barra de ferro que tinha na beirada da mureta. Na hora eu não pensei nada, só pedi a Deus que salvasse o meu filho”, diz ela.
Mãe e filho foram socorridos pelo motorista da equipe de reportagem, Wilson de Moura.
“Foi uma coisa muito rápida e muito assustadora”, conta ele.
“Depois que passou o susto, depois eu mesma parei. Falei: ‘Gente, onde que estava para fazer essa loucura toda?’. Tem horas que eu fico me perguntando, onde que eu arranjei tanta força e coragem pra fazer isso”, questiona Jerônima.
Qual a origem dessa força que une mãe e filho, o instinto materno?
“Os instintos são comportamentos que, de certa forma, estão impressos no nosso sistema nervoso”, explica o neurocientista Aldo Lucion, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Uma série de alterações hormonais prepara o cérebro da mulher para a chegada do bebê. Mas há uma substância em especial que atua de maneira decisiva na formação desse laço afetivo entre mãe e filho: a ocitocina, que é um hormônio produzido no cérebro de todos os mamíferos. Durante a amamentação, a ocitocina é liberada e estimula o hipocampo, uma região relacionada à memória e ao aprendizado.
É como se nesse momento surgisse uma ligação indestrutível entre mãe e filho, um sentimento que fica registrado para sempre. Não é à toa que a ocitocina é conhecida como o hormônio do amor.
“A amamentação é um estímulo tão poderoso que em experimentos com animais de laboratório, comparando se uma rata de laboratório prefere amamentar o seu filho ou tomar cocaína, ela prefere amamentar o seu filho”, aponta Aldo Lucion.
O amor incondicional, moldado pelos hormônios, faz com que uma mãe seja capaz de qualquer coisa para defender um filho. Em dezembro de 2005, uma americana jogou o bebê pela janela do terceiro andar de um prédio em chamas. Sorte que um jogador de beisebol amador conseguiu agarrar a criança no ar!
Na Flórida, a paulistana Maria Odete abriu à força a boca de um jacaré - um animal com uma das mordidas mais potentes da natureza - para salvar Alexandre, que tinha caído num lago do parque Everglades.
Nas montanhas do Canadá, Cindy Parolin não teve a mesma sorte. Como a série "Instinto Humano" mostrou em 2005, ela partiu para cima de um puma que estava prestes a atacar um de seus filhos. O garoto não se machucou, mas ela ficou gravemente ferida e morreu.
Pelos filhos, Cindy fez o maior de todos os sacrifícios. Assim como nos seres humanos, o instinto materno é forte em muitos animais, principalmente nos mamíferos.
O curioso é que esse cuidado pode ultrapassar a barreira das espécies. No zoológico de Illinois, nos Estados Unidos, uma gorila protegeu uma criança que tinha caído dentro da jaula como se fosse seu próprio filho!
Casos como o da cadela que adotou dois filhotes de tigre, em Casca, interior do Rio Grande do Sul, são comuns. A TV já mostrou cadelas amamentando porquinhos e até macacos!
O que sempre está em jogo é a preservação da espécie. Para a biologia, por trás de atos de heroísmo como o da mãe de Franca está a necessidade de passar os genes de geração a geração. E isso vem de berço: a ciência diz que o instinto materno é hereditário!
“Filhas de mães boas tendem a ser também boas mães, quando elas tiverem também seus próprios filhos”, afirma o neurocientista Aldo Lucion.
O carinho entre mãe e filho é o resultado do trabalho paciente de milhões de anos de evolução.
“Tem só eu por eles. Então, acho que por eles eu faço tudo”, resume Maria Jerônima.
A história da Maria Jerônima, que salvou o filho Gabriel, ganhou tanta repercussão principalmente porque tudo foi registrado pelas lentes de Tiago Brandão, um fotógrafo profissional. E isso acabou gerando muita polêmica.
“Com certeza, ele fez o que deveria ter sido feito”, defende o fotógrafo Rubens Chiri.
“Tinha outras pessoas lá que fizeram o salvamento”, concorda o também fotógrafo Eugênio Goulart.
“A situação estava controlada. Mas se eu estivesse sozinho ali, gente, eu sou um ser humano, corre sangue nas minhas veias, eu teria pulado lá dentro”, garante Tiago.
Tiago recebeu algumas críticas.
“Me insultaram de várias maneiras”, afirma ele.
Um internauta chegou a publicar a foto do filho de Tiago num blog.
“E fazia comentários do tipo: ‘Que tal se a gente jogasse esse garoto num poço, para ver se o pai dele fotografava?’”, conta Tiago.
“Nós não estamos lá para interferir, nós estamos para registrar”, esclarece Eugênio.
“Eu acho que esse é o grande papel da fotografia, ela causou, gerou uma polêmica, mas ele fez o trabalho, mostrou para o mundo uma situação desumana”, defende, mais uma vez, Rubens.
Fonte: http://fantastico.globo.com/Jornalismo
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